As pessoas são como cidades. Quando nos envolvemos com
elas, quando passamos a conhecê-las intimamente, é o equivalente a caminhar sem
mapa por ruas nas quais nunca pisamos, por bairros que não sabíamos existir. O
prazer desse passeio inaugural é irreproduzível. Você poderá voltar às mesmas
ruas muitas vezes, deve fazê-lo na verdade, mas nenhum outro momento terá a
surpresa daqueles instantes iniciais, quando os nossos olhos são puros e o
nosso coração é virgem outra vez. Pode-se amar uma cidade a vida inteira, mas é
impossível descobri-la duas vezes.
As pessoas são
como cidades ensolaradas e coloridas – às vezes sombrias e chuvosas - que vão
sendo exploradas à medida que as conhecemos. Ou à medida que consintam em ser
devassadas.
Se eu olhar para o
meu passado – e você para o seu – descobriremos ter passado por diferentes
geografias humanas.
Uma cidade leva a outra. Explorar é explorar-se.
Conhecer é conhecer-se. Cada experiência nos prepara para a outra. Cada mudança
antecipa a outra que está por vir. Assim, aos trancos, cheguei à cidade
onde me encontro. Não a havia antecipado. Quando a vi, me pareceu tão linda que
não me cabia, mas fui ficando, como um usurpador ou um clandestino. Tornou-se o
meu lugar. Às vezes descubro uma esquina nova, de vez em quando me perco na
beira do Rio, fico. Gosto do que conheço, sinto que há muito mais a descobrir.
Percebo, meio encantado, que esta cidade cresce à frente dos meus passos, ao
meu redor, comigo. Há nela algo de inesgotável que reage a mim. É a minha
cidade. Cuido dela, que me faz feliz.
Nem todas as
pessoas são cidades. Algumas serão vastos continentes gelados. Outras, apenas
becos sem saída.
Posto
diante dessa imagem poderosa, me pergunto quem sou eu. Um quarteirão deserto e
árido? Uma praça com bancos coloridos? Uma cidadezinha preguiçosa plantada num
vale? Uma metrópole à beira mar, varrida pelo vento e pela sirene dos navios?
Eu não sei. Não sabemos, na verdade. E nem nos cabe dizer. Na verdade, temos de
ser descobertos, nomeados e mapeados. É pelo olhar amoroso do outro que nos
revelamos. É no olhar do outro que nos re-conhecemos. Como uma cidade. Um país.
Um mundo que o outro queira habitar – e transformar em sua casa.
- Fragmentos do texto "Você é uma cidade?", de Ivan Martins, colunista de 'Época'
Nenhum comentário:
Postar um comentário