sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

"Adote um bandido": não é compreensível. Análise de um discurso

Vamos analisar o discurso sobre um fato ocorrido no RJ, de Rachel Sheherazade, âncora do jornal SBT Brasil. Eis o vídeo:





O marginalzinho amarrado ao poste era tão inocente que em vez de prestar queixa contra seus agressores, preferiu fugir, antes que ele mesmo acabasse preso. 
É que a ficha do sujeito está mais suja do que pau de galinheiro.

O indivíduo que foi amarrado e linchado tinha absoluta noção de sua situação. Ele agiu conforme lhe foi conveniente mediante tal fato. Foi o que Rachel quis dizer.

Num país que ostenta incríveis 26 assassinatos a cada 100 mil habitantes, arquiva mais de 80% de inquéritos de homicídio e sofre de violência endêmica, a atitude dos “vingadores” é até compreensível. 

A atitude "compreensível" a qual Sheherazade comenta se trata da insatisfação da população perante o cotidiano de insegurança a qual vivemos. O que é compreensível é o desejo de punição, de justiça a quem fere os direitos dos outros e burla por meio dos seus atos o que está previsto na Constituição. O que é compreensível não é modo com o que ocorreu tal linchamento, a famosa "justiça com as próprias mãos"; em nenhum momento Rachel expôs apoio à violência, o que ela fez foi tomar conhecimento do porquê tal fato aconteceu, do porquê (do desejo) da 'vingança'. Isso é que foi compreensível (para ela).
Entretanto, Rachel não analisou uma parte significante do acontecido: quem cometeu aquilo. Não foi o povo, a população, o trabalhador honesto, o eleitor esperançoso por um Brasil melhor e que confia (ou ao menos tenta confiar) nos mecanismos do Estado para que seus direitos possam ser gozados na prática (e não ficar apenas no papel). O povo (honesto, trabalhador, pagador de impostos...) tem medo do bandido, do canalha, porque ele sabe dos riscos que se tem por ser obediente às legislações de seu país, porque ele tem uma família a qual não quer que aconteça algo de ruim, porque ele preza pela sua vida e das pessoas boas que almejam um país justo. Quem cometeu esse delito não foi o cidadão que quer o bem, foi o playboy apadrinhado (já sabemos por quem), que por ter uma posição privilegiada na sociedade se acha no direito de fazer o que bem entende - novamente, a tal "justiça com as próprias mãos". São os jovens da chamada classe média 'vingadora', que patrocina o tráfico, que se vê em degrau social superior. Essas pessoas tem que ser colocadas contra a parede! São essas pessoas (também) que têm que estar na mira da polícia, da justiça, mas seus privilégios os impedem de serem suscetíveis a isso, infelizmente. Rachel pecou quando não relevou ou pensou nisso.

O Estado é omisso. A polícia, desmoralizada. A Justiça é falha. O que resta ao cidadão de bem, que, ainda por cima, foi desarmado? Se defender, claro! 

O Estado é omisso: Alguma mentira?
A polícia é desmoralizada: Alguma mentira?
A Justiça é falha: Alguma mentira?
Rachel (desabafa e) remete ao Estatuto do Desarmamento. Não consigo ser mais nítido que ela como no vídeo abaixo de sua própria autoria:




Contudo, novamente, Rachel se esquece que quem (supostamente) 'se defendeu' amarrando e linchando aquele jovem em um poste não foi o "cidadão de bem". O "cidadão de bem", de fato, foi aquele que se comoveu com o ato e, mesmo sem saber quem era o agredido, pediu socorro. Essa é a pessoa que quer o bem, não interessando a quem. Mas vale suas palavras considerando as indignações da sociedade que quer e almeja sempre o bem.

O contra-ataque aos bandidos é o que eu chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem Estado contra um estado de violência sem limite. 

No meu ver, Rachel está absurdamente equivocada nesta parte. A "defesa coletiva de uma sociedade" não pode acontecer de tal maneira. Isso é covardia. A "defesa coletiva de uma sociedade" tem acontecer por meio da mediação da justiça, que como a própria jornalista frizou (e sabemos bem que é a verdade), é falha; mas isso não justifica ou não pode justificar uma covardia de muitos para com um único indivíduo. Talvez bastasse contê-lo e levá-lo à polícia, caso houvesse motivo... não sei... é o que penso que seria o mais correto nessa situação! Defesa por defesa tem que ser individual; um contra um; fora isso, repito, é covardia! No entanto, entro em contradição novamente haja vista que o bandido brasileiro é (fortemente) armado, ao contrário da população, que sequer conta com o seu direito à segurança (que deveria ser) proveniente do Estado, como mencionado por ela mesma no vídeo acima. É um jogo de vai-e-vem, em que é difícil estabelecer um culpado entre o cidadão e o bandido; ambos são vítimas (com e a partir de percepções dessemelhantes), entretanto, as consequências disso reflete de maneira diferente e à pessoas diferentes, por isso a dificuldade em criticar tal situação. Fato é que teríamos um país com uma sociedade dotada de direitos se o Estado cumprisse com sua obrigação; isso daria uma vida digna ao cidadão do bem e faria não existir o bandido.

E aos defensores dos Direitos Humanos, que se apiedaram do marginalzinho no poste, lanço uma campanha: 
“Façam um favor ao Brasil. Adote um bandido!”

Mais um desabafo de Sheherazade, que se faz empática no fim de seu pronunciamento. Rachel se coloca no lugar de vítimas que não tiveram uma segunda chance. Se coloca no lugar dos amigos e familiares dessas vítimas que têm sede de justiça (que nunca chega). Vítimas não necessariamente do indivíduo em destaque, mas vítima do bandido que fica solto nas ruas enquanto a população tem que ficar presa em suas casas implorando aos céus que até seus lares estejam livres de serem invadidos. Para quem nunca teve problema, direta ou indiretamente com a violência no país, talvez seja fácil falar nos famosos direitos humanos. Você que não sofreu a violência na pele, leve um bandido para sua casa e se torne passivo diretamente à ameaça às suas integridades a da sua família. Doe-se à inércia dando poder a quem brinca com a vida dos outros e que por qualquer acaso (ou não), pode ser a sua!



  • Neste texto, como perceptível, interpretei do meu ver o polêmico discurso de Sheherazade, que contempla verdades e equívocos. Há quem só enxerga verdades, há quem só enxerga atrocidades em sua fala. Creio que há uma necessidade de uma análise mais minuciosa. Optar pelo sim ou pelo não, ser a favor ou contra, é fácil; difícil é adentrar de fato no que se está discutindo e descortinar o que encobre fatos também (ou mais) relevantes. Foi o que tentei fazer. Eu não tento ser contra pessoas, tento ser contra ideias más, que desqualificam a ética e as práticas morais. Não há porque condenar e ridicularizar Sheherazade por discordar dela; é o que defendo, dentre outras coisas, no texto que pode ser acessado clicando aqui.

6 comentários:

  1. Concordo com tudo o que a Raquel falou, Direitos Humanos so servem para marginais ou causas politicas, pois nunca os vi na casa de quem sofreu na mao de bandido ou de policial que foi morto para saber se a familia precisava de algo.

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  2. O que a Raquel disse em um comentário de poucos segundos foi direto e objetivo.
    Fazer uma analise depois do que ela disse é muito fácil e meio boçal...
    Aliás com palavras bonitas e expressões de efeito pode-se até inocentar Hitler...

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    1. Olá, Anônimo!
      Eu também achei direto e objetivo, mas as pessoas a julgaram (no meu ver) injustamente. A ridicularizaram porque não souberam interpretar ou interpretaram de maneira errada o que ela disse; por isso, fiz uma análise de seu discurso na tentativa de deixá-lo claro, ao menos conforme minha interpretação sobre ele.
      Talvez eu tenha que agradecer o "palavras bonitas e expressões de efeito".. não sei, rs.. mas colocar Hitler na história creio ser exagero! Enquanto ao boçal, talvez seja essa a característica de quem se limita à superficialidade!
      Até mais!
      Volte sempre!!

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  3. No final quem está enganado é você, não foi um " cidadão-de-bem"que se apiedou do marginal. Foi um parente do mesmo. Hoje em dia é incrível! Quando uma marginal se ferra, e é baleado, ferido ou morto, logo aparecem parentes do bandido! Aqui em Fortaleza é comum acontecer isto

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    1. Quem solicitou socorro, no princípio, no fervor da situação, foi uma mulher que sequer sabia quem era o indivíduo. Após isso, em relação ao ato, não comentei a respeito.
      Até mais!

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  4. O que as pessoas estão extremamente cansadas são a falta de punição severa para qualquer ato que desabone a ordem pública. Enquanto o Brasil tiver mentalidade em querer "ressocializar" meliantes e não puni-las exemplarmente, a tendência é continuar aumentando criminalidade porque a sensação de impunidade nunca foi tão explícita como hoje.

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